Emergência Climática: riscos, vulnerabilidades e ações, por Thaís Presa Martins

Às 9h, de 15 de dezembro de 2020, teve início o seminário internacional “Saúde Planetária na América Latina: hora de agir!”. O evento, online e gratuito, foi promovido pelo Instituto de Estudos Avançados da Universidade de São Paulo (IEA-USP) e organizado pelo Grupo Saúde Planetária, ligado ao IEA. Segundo dados do sítio do Grupo, a “Saúde Planetária” objetiva a qualidade em saúde e o bem-estar humanos em consonância e sinergia com a saúde dos sistemas naturais, pois são aspectos indissociáveis e codependentes. Ao encontro dessa interdependência, das 11h15 às 12h45 do dia 15, o Painel 2 versou sobre o tema: “Saúde, ambiente e direitos”, sob a Coordenação da Profa. Dra. Elizabeth Balbachevsky, (FFCLH e IEA-USP).

O Prof. Dr. Braulio Ferreira de Souza Dias, da Universidade de Brasília, abordou a “Agenda Global de Biodiversidade e Saúde – interconexões e cooperação”. Ele comentou que a construção estratégica do conceito “One Health”, em 2008, visou integrar ações de saúde dos seres humanos, dos animais domésticos e dos animais silvestres, pois muitas doenças humanas têm origem em zoonoses (doenças transmitidas por animais). A proposta conjunta foi composta: pela Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO, sigla do inglês Food and Agriculture Organization); pela Organização Mundial da Saúde Animal (OIE, sigla do inglês World Organisation for Animal Health), e pelo Fundo de Emergência Internacional das Nações Unidas para a Infância (UNICEF, sigla do inglês United Nations International Children’s Emergency Fund).

Dias trouxe uma síntese de marcos históricos de Conferências das Partes (COPs, sigla do inglês Conference of the Parties) – órgão supremo da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima, adotada em 1992. Na COP 10, definiram-se objetivos estratégicos para o bem-estar das populações humanas (especialmente, para pessoas em situação de vulnerabilidade, mulheres e indígenas). Na COP 11, estabeleceram-se cooperações entre Organizações internacionais, e a criação de um trabalho conjunto entre saúde e biodiversidade. Na COP 12, articulou-se um trabalho conjunto entre a Convenção sobre a Diversidade Biológica (CDB) e a Organização Mundial da Saúde (OMS). Na COP 13, implementou-se a cooperação. Na COP 14, acordaram-se combinações entre as Organizações. Como resultado da parceria, publicou-se o trabalho técnico-científico: “Conectando as Prioridades Globais: biodiversidade e saúde humana”. O estudo traz questões sobre: alimentação e segurança alimentar; qualidade do ar e da água; biodiversidade microbiana; mudanças climáticas; doenças infecciosas; medicina tradicional; saúde mental; novas drogas e vacinas; recursos genéticos e conhecimentos tradicionais associados.

Conforme o Prof. Braulio, a CDB esteve à frente das discussões sobre “One Health”, tendo pesquisa publicada sobre o tema, em 2015, na Revista The Lancet. No mesmo ano, a CDB apoiou a proposta: “Meio ambiente saudável, pessoas saudáveis” do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA). Ainda em 2015, a Organização das Nações Unidas (ONU) aprovou os seus 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), vinculados às metas internacionais da Agenda 2030. A partir deles, a CDB mostrou que o “ODS 3 – Saúde de Qualidade”, ao qual está diretamente relacionada, apresenta conexões com todos os outros 16 ODS.

Recentemente, a CDB dedicou-se a questões concernentes à biodiversidade para a alimentação e nutrição, contemplando quatro tópicos: 1) conhecimentos relevantes; 2) integração de biodiversidade de alimento e nutrição; 3) promoção da conservação e do uso da biodiversidade na alimentação e na nutrição; 4) promoção de maior consciência pública e educação ambiental sobre esses temas. Tais discussões apoiam-se no Plano Nacional de Agroecologia e Produção Orgânica (PLANAPO); nos arranjos produtivos locais da sociobiodiversidade; e em Biodiversidade e Saúde (parceria entre a Fundação Oswaldo Cruz (FIOCRUZ) e o Ministério da Saúde).

Os riscos das mudanças climáticas

Na sequência, o Prof. Dr. Eduardo José Viola comentou que, hoje, as mudanças climáticas situam-se entre os maiores riscos existenciais da Humanidade. Em primeiro lugar, temos a guerra nuclear; em segundo, as mudanças climáticas; em terceiro, as pandemias, e em quarto, as tecnologias disruptivas. Desde os primeiros registros das medições da temperatura média global e da quantidade de emissão de gases causadores de efeito estufa, os últimos cinco anos foram os mais quentes da história. Guardadas as devidas proporções, em uma breve comparação por países, as quantidades (em toneladas) de emissões de gases causadores de efeito estufa/per capita são: EUA, 17; China, 11; Brasil, 10; União Europeia e Reino Unido, 9; Índia, 3; sendo que para mitigar as mudanças climáticas, essas quantidades deveriam oscilar em cerca de 4 toneladas/per capita. Caso isso não seja posto em prática, nos próximos anos, deveremos ter um aumento global em cerca de 4ºC em terra firme e de 2ºC nos oceanos. Atualmente, o 1% mais rico da população mundial emite (em gases de efeito estufa) o equivalente à quantidade dos 50% mais pobres do planeta.

De acordo com Eduardo Viola, existem oito eixos centrais de impactos sociais e ambientais que agravam as mudanças climáticas e que, também, são retroalimentados por elas: 1) Desmatamento: riscos de perda da biodiversidade; 2) Elevação da temperatura global: problemas de saúde decorrentes, mormente, respiratórios; 3) Perigo de perda das florestas e de sua regulação do clima; 4) Ondas de calor e seca: impactos para a saúde humana, sobretudo, idosos, crianças, e pessoas com comorbidades; 5) Furacões mais fortes e mais intensos: sérios riscos aos seres humanos e problema de refúgio climático; 6) Disrupção da circulação atmosférica global; 7) Frios mais intensos; 8) Impactos sobre a agricultura e a segurança alimentar: pouca variedade alimentar, tendência de aumento da fome e de refugiados.

Nesse sentido, é urgente olhar para esses temas e para o frequente uso dos agroquímicos, frente a uma produção alimentar orgânica de pequena escala. A alimentação é fundamental para a nossa qualidade de vida. Por fim, o Prof. Eduardo aponta um caminho de esperança. Nos últimos anos, tem havido mudanças radicais nos comportamentos de algumas organizações e corporações mundiais, que estão tentando adequar-se ao chamado “capitalismo democrático” – ao considerarem o risco das mudanças climáticas em suas ações e em seus investimentos financeiros.

A importância de investimentos em mitigação e adaptação a desastres Posteriormente, o Prof. Dr. Eduardo Mario Mendiondo questionou: como a saúde planetária pode gerir riscos num planeta em mudança altamente competitiva em termos de recursos naturais? O Centro de Estudos e Pesquisas sobre Desastres de São Paulo (CEPED/USP) tem o foco de abordar esses temas, tendo sido criado por meio de um convênio entre: a Superintendência de Relações Internacionais da USP; o Grupo de Estudo em Saúde Pública; o Ministério da Integração Nacional; e a Defesa Civil de São Paulo (Casa Militar). O Centro conta com um grupo de docentes e de pesquisadores de diversas áreas, apresentando uma visão aberta, colaborativa e inclusiva de ciência. Para Eduardo, as mudanças climáticas acarretam eventos mais extremos e mais frequentes, como o aumento do risco de enchentes e da quantidade dos períodos de seca. Assim, a gestão hídrica faz se fundamental para diminuir os riscos ambientais, sociais e econômicos implicados.  No estado de São Paulo, para que tal gestão funcione de modo eficiente seria necessário um investimento equivalente a 2% do Produto Interno Bruto (PIB) de SP. Valor que seria baixo em comparação às perdas e aos custos com os problemas decorrentes dos eventos mencionados. Além disso, é interessante investir em uma modalidade de infraestrutura aberta, que considere que os impactos são diferentes entre regiões pequenas e grandes. Monitoramento é chave diante de riscos de emergências de zoonoses.

A Profa. Dra. Marcia Chame explanou sobre a construção histórica do conceito de “Saúde Única” ou “One Health”. Em 2004, no distrito de Manhattan, cidade de Nova Iorque, EUA, médicos humanos e médicos veterinários reuniram-se para pensar sobre as transmissões de doenças/infecções dos animais para os humanos (em um contexto de ebola e de gripe aviária). Na ocasião, propuseram o conceito “One Health”, em nome da Wildlife Conservation Society financiada pela Rockefeller University. O termo funciona como um termo guarda-chuva, ao englobar diversas áreas e subáreas, programas nacionais e internacionais, tratando de: produção de alimentos; emergência de zoonoses; resistência microbiana; saúde dos ecossistemas. Em 2019, na cidade de Berlim, na Alemanha, lançou-se o documento: “One planet, one health, one future”, a fim de entender a importância da conservação dos ecossistemas como condição fundamental para a saúde única.

A seguir, a Profa. Marcia fez uma breve contextualização sobre a história do Homo sapiens. Ele saiu do processo caçador-coletor; distribui-se pelo mundo, e domesticou plantas e animais – o que resultou no surgimento de novas doenças no processo. A Saúde Única designa um campo de estudo complexo, que envolve: deriva genética; evolução; comportamento; relações ecológicas entre parasitos e co-infectantes; heterogeneidade dos hospedeiros; plasticidades dos organismos que convivem conosco, etc.

Por meio dessas pesquisas, é possível mapear indicadores de casos de spillover (transbordamento, rompimento da barreira biológica, quando a espécie parasita infecta espécies nativas) e, consequentemente, traçar as condições de surgimento de novas epidemias, pandemias e sindemias. Alguns gatilhos para a emergência de zoonoses podem ser eventos internacionais com grandes aglomerações de pessoas de diversos países, tais como as Olimpíadas e as Copas do Mundo de Futebol.

Por fim, Marcia Chame alertou que o risco de emergência de doenças zoonóticas é mais elevado em regiões tropicais, com alta biodiversidade de mamíferos e de alterações antropogênicas. Sendo assim, o Brasil é um dos grandes candidatos mundiais para o “surgimento” de novas epidemias.

Pensando no delicado equilíbrio entre o ambiente, a saúde dos animais e a saúde das pessoas, Marcia Chame questiona: “Qual é o impacto que as queimadas e o desmatamento da Amazônia trarão”? Possivelmente, teremos um aumento do número de casos de raiva transmitida por morcegos e da incidência de problemas respiratórios. Para tanto, é fundamental monitorarmos as emergências de zoonoses em animais silvestres no Brasil.

Ciência-cidadã e o Sistema de Informação em Saúde Silvestre

O Sistema de Informação em Saúde Silvestre (SISS-Geo), desenvolvido pela Fiocruz, é uma ferramenta informatizada e participativa baseada na ideia de ciência cidadã (colaboração da sociedade), com fluxo de informação sobre: alertas, análises e vigilância. No mapeamento da febre amarela, por exemplo, o Sistema conseguiu identificar que a transmissão avança 100 quilômetros a cada 30 dias. “Essa foi uma descoberta que nos permitiu andar à frente da disseminação da doença e da morte humana, tomando as medidas cabíveis. Identificamos, por exemplo, que Brasília e Goiânia estão em atenção sobre registros de febre amarela nas áreas florestadas e em pequenos fragmentos florestais. Aliás, essa fragmentação florestal aumenta a velocidade de transmissão, por isso, é tão importante preservar essas áreas”, relata.

O SISS-Geo está disponível como aplicativo gratuito para ser baixado. Além disso, conta também com o material: “Biodiversidade faz bem à saúde – guia prático”.

 

Organizadora:

Elizabeth Balbachevsky

Livre docente pelo Departamento de Ciência Política da Universidade de São Paulo, e Professora Associada pelo mesmo Departamento. Desenvolve pesquisas nas áreas de: políticas de ciência, inovação e ensino superior; comportamento político. É Vice-Coordenadora do Núcleo de Pesquisa sobre Políticas Públicas (NUPPs/USP).

Currículo Lattes

 

Participantes:

Eduardo José Viola

Prof. Titular do Instituto de Relações Internacionais da Universidade de Brasília desde 1993; aposentado desde agosto de 2018, continua ativo na Pós-Graduação como Professor Sênior. Pesquisador 1B do CNPq. É um dos autores mais citados de toda a grande área de Ciências Humanas no Brasil. Pesquisa sobre: política internacional; política comparada; economia política internacional da energia e da mudança climática; política ambiental internacional; relações Internacionais no Antropoceno; globalização e governabilidade; política externa do Brasil; regimes políticos; transições democráticas no Brasil e na Argentina; segurança internacional.

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Eduardo Mario Mendiondo

Prof. Dr. da Universidade de São Paulo na Escola de Engenharia de São Carlos. Orientador do Programa de Pós-graduação em Engenharia Hidráulica e Saneamento. Desde 2002, coordena o Núcleo Integrado/Interdisciplinar de Bacias Hidrográficas na USP-1 São Carlos. Tem experiência em projetos, soluções e inovações para comunidades vulneráveis nas áreas de: recursos hídricos, saneamento e saúde (WASH); modelagem e análise de incertezas; ecohidrologia; pegada hidrica; sistemas de recursos hídricos sustentáveis, resilientes e inteligentes (Smart Cities); SUDS/Low Impact Development; adaptação às mudanças climáticas; gestão da demanda, otimização de cobrança. Tem experiência em cooperação internacional com a Europa, com a Ásia, e com Países Americanos.

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Braulio Ferreira de Souza Dias

Ph.D. em Zoologia pela Universidade de Edimburgo no Reino Unido. Dirige o Programa Nacional de Diversidade Biológica (Pronabio) e o Programa de Biodiversidade e Recursos Genéticos, ambos da Secretaria de Biodiversidade e Florestas do MMA. Prof. do Departamento de Ecologia e da Pós-Graduação nessa área da Universidade de Brasília (UnB). Vinculado ao IBGE, foi pesquisador da Divisão de Estudos Ambientais do Cerrado/Reserva Ecológica de 1978 a 1991, quando foi requisitado para ser Diretor de Incentivo à Pesquisa e Divulgação no Ibama.

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Marcia Chame

Graduada em Ciências Biológicas pela Universidade Santa Úrsula (1982). Mestra e Doutora em Ciências Biológicas (Zoologia) pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (1988 e 2007). Pesquisadora Titular da Fundação Oswaldo Cruz, no Rio de Janeiro. Coordenadora da Plataforma Institucional Biodiversidade e Saúde Silvestre que desenvolve o Sistema de Informação em Saúde Silvestre – SISS-Geo e o Centro de Informação em Saúde Silvestre (CISS). Curadora da Coleção Paleoparasitológica e de Fezes Recentes de Animais (CPFera, ENSP/FIOCRUZ). Membro titular na CONABIO do Ministério do Meio Ambiente e da Amazônia Legal. Diretora Científica da Fundação Museu do Homem Americano a partir de 2019. Tem experiência na área de Ecologia de Parasitos, com ênfase em vigilância de emergência de zoonoses, parasitologia, paleoparasitologia, biodiversidade, unidades de conservação, ciência cidadã e inclusão digital.

Currículo Lattes

Edição: Daniela Vianna