“Não há vacina para as mudanças climáticas”, por Renata Simoni

Os participantes do primeiro painel do seminário “Saúde Planetária na América Latina: hora de agir!”, realizado na manhã do dia 15/12, debateram sobre as interconexões e interfaces entre “Covid19, sindemias e sistemas de saúde”. Moderado pelo professor Antonio Saraiva, coordenador do Grupo Saúde Planetária, do IEA-USP, contou com a participação de quatro palestrantes – Airton Tetelbom Stein (UFCSPA), Enrique Falceto de Barros (UCS), Karina Pavão Patrício (FM-UNESP) e Gerson Laurindo Barbosa (SUCEN/SP). 

O professor Airton Tetelbom Stein, da Universidade Federal de Ciências da Saúde de Porto Alegre (UFCSPA), abriu o debate fazendo uma revisão de 11 capas da revista The Economist – publicadas entre janeiro e dezembro deste ano – sobre a pandemia que, definitivamente, transformou 2020 em um marco na história da humanidade. Os destaques da mídia, apresentados pelo Dr. Stein, caracterizaram o Covid19 não apenas como uma pandemia, mas como uma “sindemia de abordagem biológica e social”. Ao apresentar os títulos das matérias, sendo a primeira, publicada em 30 de janeiro, intitulada “Made in China: o vírus de Wuhan irá se tornar uma pandemia?”, e a última, datada de 12 de dezembro e intitulada “Al Gore: where I find hope”, o professor mostrou como a imprensa refletiu o avanço do conhecimento que foi sendo criado acerca da pandemia do Covid19, desde a identificação do vírus como possível formador de pandemia, em janeiro, até o impacto na economia e no meio ambiente ao longo dos meses (a relação completa das capas está no final deste texto). 

Entre as capas da The Economist, merece destaque, ainda, a matéria “Aproveite o momento: a chance de achatar a curva climática”, publicada em 23 de maio. Percebemos, com ela, a dificuldade em descarbonizar o planeta, e o tamanho do desafio da mudança climática, mostrando o óbvio: a vacina resolve a pandemia, mas não as mudanças climáticas.

O conceito de sindemia e sua aplicação na prática médica

O professor Enrique Falceto de Barros, médico na Atenção Primária à Saúde na cidade de Herval, no interior do Rio Grande do Sul, e professor da Universidade de Caxias do Sul (UCS), foi, ele próprio, acometido pela Covid19. Na apresentação, ainda rouco e com dificuldades de respiração, citou a frase de uma liderança da WONCA (Organização Mundial de Médicos de Família) sobre os profissionais da saúde, que são “os primeiros a entrar e os últimos a sair” de uma pandemia.

Ao apresentar a sua experiência de atuação em Herval, Barros explica o conceito de “sindemia”, por meio de exemplos de pacientes obesos que foram vítimas da Covid19. Sindemia, uma junção das palavras “pandemia” e “sinergia”, representa uma soma de vetores que interagem entre si em um processo de retroalimentação. Dessa forma, ele explica que não apenas a Covid19 pode ser considerada uma sindemia, mas também todas as comorbidades que servem como doenças de base para pacientes afetados por ela.

Barros menciona os estudos do professor Paulo Saldiva, do IEA-USP, sobre como as declarações de óbito são preenchidas sem que, na causa da morte, sejam explicitados todos os fatores associados e as comorbidades decorrentes das sindemias atuais concomitantes, como obesidade, hipertensão arterial decorrente das mudanças climáticas, entre outras. “Na declaração de óbito do meu paciente, que teve Covid19 e era obeso, houve mais de um fator envolvido. Devemos incorporar o conceito de sindemia quando mais de uma crise, como a da Covid19, a da obesidade e a das mudanças climáticas se sobrepõem”, defende Barros.

 

Isolamento social contribuiu para reduzir casos de dengue em SP

O terceiro palestrante do painel, Gerson Laurindo Barbosa, pesquisador científico da Superintendência de Controle de Endemias (SUCEN) da Secretaria de Estado da Saúde de São Paulo (SES/SP), explanou sobre a correlação entre a atual pandemia do Covid19 e outras doenças que continuam existindo em tal período, em especial a dengue. Sendo também uma sindemia, a dengue, uma doença viral transmitida pelo mosquito Aedes aegypti, originário da África, é responsável por óbitos significativos nos meses quentes e úmidos do ano no Brasil. 

Sabemos que tais epidemias de dengue são agravadas repetidamente pelas mudanças climáticas, causando prejuízos na economia do país e na saúde da população. Barbosa apontou que, em 2020, houve inicialmente um aumento no número de casos de dengue, seguido de uma redução ao longo dos meses, o que levou pesquisadores a questionarem o papel do Covid19 na epidemia da dengue.

Em uma publicação da Travel Medicine, trouxe a seguinte pergunta: “Medidas contra o Covid19 podem ter ajudado a reduzir os casos de dengue no Brasil?”. A conclusão foi de que o isolamento social provocado pela pandemia do Covid19 teve sim impacto importante na redução de casos da dengue no estado de São Paulo, criando uma possível alternativa nos modos de prevenção da doença para o futuro. “Apesar de o isolamento social ser inviável economicamente, é importante conhecer o papel da mobilidade micro e macrorregional, bem como intermunicipal, no espalhamento e na manutenção de doenças, com a meta de propor estratégias de prevenção”, afirmou. Dessa forma, apesar de os problemas em relação ao Covid19 serem incontestáveis, a pandemia teve um papel importante na análise de funcionamento de outras doenças, alçando um novo rumo na busca de estratégias de prevenção às doenças transmissíveis.

As correlações entre Covid19 e o meio ambiente

Para finalizar o debate do primeiro painel, a Profa. Dra. Karina Pavão Patrício, docente da Faculdade de Medicina da UNESP de Botucatu, traz uma reflexão sobre o impacto da pandemia do Covid19 no meio ambiente, bem como o contrário, em relação aos impactos do meio ambiente na pandemia. Estudos iniciados ao longo de 2020 mostraram uma melhora da poluição atmosférica com as medidas de isolamento, embora tenha ocorrido um aumento na produção de resíduos hospitalares, como máscaras e luvas, e domiciliares, decorrentes de compras online e embalagens de delivery de comida. 

A professora apontou como a poluição reduziu significativamente em 2020, mostrando o poder de regeneração da natureza, o que mostra que ainda há um caminho possível para seguirmos em prol da situação ambiental global. “O relatório do Lancet Countdown nos mostrou a importância da redução inicial dos gases de efeito estufa (GEE), que foi significativa em 2020”, destacou. Da mesma forma, houve redução das emissões em 25% na China e em 40% nos EUA. A pergunta que fica, segundo Karina Pavão, é se poderemos melhorar ou piorar tal situação depois do fim da pandemia do Covid19. Para ela, deve ser levado em conta reduzir a perturbação em áreas urbanas e remotas, ampliando, assim, a chance de recuperação de ecossistemas e habitats de espécies afetadas pela ação humana. Também o aumento e proteção de áreas verdes podem prover resiliência das cidades e bem-estar, favorecendo o distanciamento social. Embora tema que as ações humanas não estejam sendo suficientes para frear as mudanças climáticas, a médica acredita que a pandemia veio para mostrar que a mudança é possível, embora precise ser tratada como assunto de emergência nas agendas mundiais.

 

Relação de capas da revista The Economist (apresentação prof. Airton Stein)

1) “Made in China: o vírus de Wuhan irá se tornar uma pandemia?” (30 de janeiro); 

2) “O Medicamento Certo para a Economia Mundial” (5 de março); 

3) “Depois da Doença, a Dívida” (25 de abril); 

4) “A Vida Depois do Lockdown: não será fácil imaginar” (30 de abril); 

5) “Adeus Globalização: a perigosa atração da auto-suficiência” (14 de maio);

6) “Aproveite o momento: a chance de achatar a curva climática” (23 de maio);

7) “A Próxima Catástrofe (e como sobreviver a isso)” (27 de junho); 

8) “Alienígenas entre nós: como os vírus moldam o mundo” (22 de agosto); 

9) “Política do Escritório: a disputa sobre o futuro do trabalho” (12 de setembro); 

10) “Por que tantos governos estão manejando de uma forma errada?” (26 de setembro); 

11) “Al Gore: where I find hope” (12 de dezembro).

Edição: Daniela Vianna