“O mar está doente porque a sociedade está doente”, por Thaís Presa Martins

O seminário internacional “Saúde Planetária na América Latina: hora de agir!”, promovido pelo Grupo Saúde Planetária, do IEA/USP, nos dias 15 e 16 de dezembro de 2020, contou com um relevante debate sobre as interconexões e interdependências entre nós – humanos – e os oceanos. O tema foi debatido no Painel 4 – “A Terra é Azul: relações entre a saúde dos ecossistemas marinhos e dos humanos”, realizado a partir das 16h do dia 15, e coordenado pelo Dr. Flavio Augusto de Souza Berchez, professor titular do Instituto de Biociências da Universidade de São Paulo e membro do Grupo.

Saúde Planetária objetiva a qualidade em saúde e o bem-estar humanos em consonância e sinergia com a saúde dos sistemas naturais, pois são aspectos indissociáveis e codependentes. Ao encontro dessa interdependência, Berchez ressaltou a importância de se falar sobre as questões de saúde planetária associadas aos oceanos, tema central para o equilíbrio da saúde do planeta e da saúde humana. O professor mencionou que o aquecimento da atmosfera acarreta o aquecimento da água dos oceanos, que, por sua vez, aumenta o seu processo de acidificação, pois um quarto (¼) das emissões de carbono da atmosfera é absorvido pela água do mar. 

Tal acidificação da água resulta em dificuldade de calcificação de animais com presença de conchas (tais como: plânctons, corais, moluscos e algas calcárias). O aumento da temperatura da água do mar afeta de modo diferente os organismos, podendo causar: migração de espécies; perdas de biodiversidade; mortes; extinções; aparecimento de patógenos nos organismos marinhos; branqueamento dos corais (que perdem algas em relação ecológica de simbiose e, consequentemente, têm problemas para se alimentarem), etc. Outro ponto a ser citado sobre as consequência do aquecimento dos oceanos é que tendem a ocorrer os seguintes fenômenos: 

1) Degelo das calotas polares mais frequentes e mais intensos: resultando em mais turbidez oceânica, menos incidência de luz solar nas camadas de água, redução do processo de fotossíntese e, por fim, menor produção de gás oxigênio pelas algas; 

2) Redução das atividades de pesca: trazendo impactos negativos para a economia e a sociedade; aumento da fome das populações com alimentação baseada em peixes e frutos do mar, e problemas gerais de saúde (física e mental); 

3) Maior incidência de organismos patogênicos e mais fenômenos de marés vermelhas; 

4) Aumento da frequência e da intensidade de tempestades. Enfim, problemas complexos, que comprometem a saúde oceânica e humana. 

 

Atenção redobrada no Sul do Chile

O Prof. Dr. Andrés Mansilla, diretor de Pesquisa  e Pós-Graduação da Universidad de Magallanes (UMAG – Chile) e do Instituto de Ecologia e Biodiversidade (IEB), fez uma apresentação centrada na região de Magalhães, no extremo Sul do Chile. Ele mencionou que o local ainda apresenta baixo impacto antrópico (provocado pela ação humana), operando como uma sentinela da qualidade ambiental planetária e, especialmente, Antártida. “Qualquer problema que ocorrer ali, pode ocorrer no continente Antártico”, alerta.

Andrés Mansilla abordou a importância das grandes reservas de kelps (algas gigantes), que integram os chamados “bosques de kelps”. Elas servem como fertilizantes de fazendas; alimento humano; suplemento de salmões; possibilidade de uso como fármacos; dentre outros, sendo muito importantes para a conservação da biodiversidade e para o sequestro do gás carbônico nos oceanos. As algas endêmicas (espécies que só ocorrem em um determinado local) utilizadas na alimentação da região estão fortemente relacionadas à cultura do lugar, devendo ser evitado o consumo de espécies importadas, como as empregadas na produção de sushis. 

Outra questão enfrentada na região são as espécies invasoras de salmão, que podem afetar o equilíbrio de populações endêmicas de algas. Como sugestões de melhorias do cenário exposto, o professor citou a detecção de rotas de ouriços para manejar as populações; a conservação de espécies endêmicas em novos parques marinhos e em novas reservas ecológicas; e as pesquisas sobre os ecossistemas e os efeitos do retrocesso glacial (em Magalhães e na Antártida).

 

A “Amazônia Azul” sob ameaça

O Prof. Dr. Paulo Antunes Horta Junior, subcoordenador do Programa de Pós-Graduação em Oceanografia da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), apresentou “soluções para a saúde única e resiliente – ecoando sustentabilidade”, tendo como contexto local a ilha de Florianópolis, em Santa Catarina, Brasil. Segundo ele, “não existe saúde humana independente do que acontece em nosso planeta”. “A perda de saúde nos leva a uma pandemia”, afirma. Floripa, como é carinhosamente chamada a capital de Santa Catarina, apesar de ter três grandes frentes econômicas dependentes dos oceanos – turismo, pesca e ostreicultura -, parece não prestar atenção na interdependência entre a saúde e o seu ambiente.

Nos meses de verão, com o intenso aumento populacional em suas mais de 40 praias, ocorre um importante aumento da poluição dos oceanos (esgoto e lixo), o que propicia um aumento dos patógenos e da incidência de doenças. No verão de 2020, houve evidências concretas do aquecimento oceânico e do intenso impacto ambiental negativo causado por ação antrópica (do homem), ao ser apontada uma baixíssima concentração de oxigênio em uma região central da ilha, resultando em grande perda de fauna marinha e, por conseguinte, impactos sociais e econômicos nas atividades de: turismo, pesca e ostreicultura. 

Para Horta, no Brasil, o cenário se repete em relação à falta de cuidados com os recursos hídricos. A Amazônia Azul (litoral brasileiro) tem sido fortemente ameaçada por intensa atividade pesqueira; impactos de origem continental (como os esgotos); vazamentos de petróleo; impactos para a saúde dos ecossistemas e para a saúde das pessoas como um todo. Resultado: a Amazônia Azul está doente, sofrendo de desaparecimento das florestas subaquáticas. O que fazer nessa situação? Primeiramente, recomenda Horta, é necessário identificar todas as áreas prioritárias para a conservação e traçar estratégias de conservação. “Se os oceanos fossem mais saudáveis, os humanos também seriam. Bem-estar social e sustentabilidade ecológica andam juntos”, alerta o pesquisador. As algas, segundo ele, são como freios ABS para a manutenção do equilíbrio da temperatura global.

 

Oceanos, saúde mental e espiritualidade

A oceanógrafa Priscila Saviolo Moreira fez um recorte local do estado de São Paulo, especificamente, do Parque Estadual da Ilha Anchieta, pelo qual é responsável, representando a Fundação Florestal. O parque, localizado em Ubatuba, no litoral norte paulista, possui 828 hectares e relevante biodiversidade. Ela começou explicando que 71% da superfície do planeta é ocupada por oceanos. A maioria da população mundial (e brasileira) vive próxima às regiões litorâneas.

O ambiente marinho oferece diversos serviços ecossistêmicos, dentre eles: pesca, esporte, saúde mental e espiritualidade. Impactos oceânicos: pesca industrial; pesca amadora sem critérios; redes fantasma; poluição ambiental na fauna (esgoto, lixo); turismo intenso; introdução de espécies exóticas; mudanças climáticas, e erosão costeira. Quando protegidos, os ambientes podem contribuir para a conservação dos ecossistemas e da biodiversidade.

Priscila ponderou que, quando as pessoas vão até a ilha, procuram por um refúgio de paz, tranquilidade e beleza intocada, mas, o que acabam encontrando de fato é justamente um ambiente cujas paisagens naturais estão alteradas pelo excesso de visitantes, que chegam lá em seus barcos e lanchas. Ela relata que a limitação da capacidade de visitação e a conscientização, de alguma forma, contribuem para que as pessoas possam encontrar o que buscam quando vão até o Parque. 

 

A retroalimentação entre as homeostases oceânica e humana

Por fim, o Prof. Dr. Alexander Turra, professor do Instituto Oceanográfico da USP e coordenador da Cátedra Unesco para a Sustentabilidade dos Oceanos, ligada ao IEA/USP, alertou que a homeostase do corpo seria uma analogia perfeita para a homeostase do planeta – ambos são processos de equilíbrio muito frágeis. “Os oceanos, inegavelmente, contribuem para a homeostase do planeta”. Face a isso, diz Turra, é urgente reduzirmos os estressores ecossistêmicos dos oceanos, a começar pelos cuidados com os cursos d’água nos continentes. Algumas estratégias são reduzir as ameaças (esgoto, lixo, ordenamento de usos para a conservação). 

Para o futuro, 2021-2030 será a década da Organização das Nações Unidas (ONU) destinada ao desenvolvimento sustentável dos oceanos. Assim, se entende que os oceanos são fundamentais para a redução da fome, da pobreza, do clima, e que estão implicados nos 17 Objetivos para o Desenvolvimento Sustentável (ODS) da ONU. Diante desse cenário, faz-se importante divulgarmos informações científicas, desenvolvermos um diálogo aberto com a sociedade, implementarmos novas políticas públicas. Precisamos pensar sobre “qual tipo de desenvolvimento, de economia nós queremos? Não podemos caminhar neste sentido de forma resignada. O mar está doente porque a sociedade está doente”, conclui. 

Edição: Daniela Vianna

Card/Arte: Marcelo Marcelino

Informações adicionais:

 

PAINEL 4 – “A Terra é Azul: relações entre a saúde dos ecossistemas marinhos e dos humanos”

Organizador:

Flavio Augusto de Souza Berchez

Desde 1988, é Prof. Dr. no Instituto de Biociências da Universidade de São Paulo. Atua, principalmente, nos seguintes temas: ecologia descritiva de comunidades bentônicas de substrato consolidado, com ênfase no levantamento de padrões de habitat e monitoramento de longo prazo dos efeitos de eventos extremos de hidrodinamismo. Tem forte atuação na área de educação ambiental relacionada aos ecossistemas marinhos, incluindo: criação, aplicação e avaliação de modelos de atividades com essa finalidade.

Currículo Lattes: http://lattes.cnpq.br/3324554734888413

Debatedores:

Paulo Antunes Horta Junior

Licenciado (1996) em Ciências Biológicas pela Universidade de São Paulo (USP). Doutor (2000) em Ciências Biológicas pela USP. Tem Pós-doutorado em Ecologia Marinha pela Plymouth University, Reino Unido (2013), e em Ciências Marinhas pela University of Algarve, PT (2018). Prof. Associado da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). Árbitro de periódicos sobre Ficologia e Biologia Marinha. Atua em Programas de Graduação e de Pós-Graduação em Biodiversidade (Botânica, Ecologia e Oceanografia), lecionando e orientando nas áreas de: ecologia descritiva marinha; ecofisiologia de algas; taxonomia; filogenia; biogeografia. Coordenador de projetos de: sistemática, macroecologia, impactos ambientais relacionados às mudanças climáticas, e poluição marinha.

Currículo Lattes: http://lattes.cnpq.br/4149038575526706

 

Andrés Mansilla

Graduação em Pedagogia e em Biologia e Ciências Naturais pela Universidad de Los Lagos (1988). Mestre em Botânica pela Universidade Federal Rural de Pernambuco (1993). Doutor em Botânica pela Universidade Federal Rural de Pernambuco (1998). Atualmente, é Prof. Dr. Associado pela Universidad de Magallanes. 

Currículo Lattes: http://lattes.cnpq.br/2038378380303620

 

Alexander Turra

Professor Titular do Instituto de Oceanografia da Universidade de São Paulo. Tem experiência nas áreas de: Ecologia Marinha, Oceanografia Biológica, e Gerenciamento Costeiro; atuando, principalmente, nos seguintes temas: manejo e conservação marinha; impacto ambiental marinho; ecologia de populações marinhas, com ênfase em caranguejos ermitões; estrutura e organização de comunidades marinhas.

Currículo Lattes: http://lattes.cnpq.br/9028595280598723

 

Priscila Saviolo Moreira 

Bacharel (2012) em Oceanografia pela Universidade de São Paulo. Educadora Ambiental. Chefe do Parque Estadual Ilha Anchieta na Fundação Florestal.

Currículo LinkedIn: www.linkedin.com/in/priscila-saviolo-moreira-4834624b