As mudanças climáticas já estão acontecendo aqui e agora, são graves, mas ainda poderão ser amenizadas se houver uma ação imediata e contumaz. Esse é um dos recados mais enfáticos do IPCC (sigla em inglês para Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas), que lançou nesta segunda-feira (9/8), o sumário executivo do Sexto Relatório de Avaliação elaborado pelo Grupo de Trabalho I (AR6-WGI). O estudo colocou uma pá de cal nos argumentos negacionistas. Comprovou que as mudanças climáticas são inequivocamente provocadas pela ação humana e apontou que já estamos passando da hora de agir para evitar impactos ainda mais severos nas diferentes formas de vida e na saúde humana. “Nenhuma região do planeta inteiro vai ficar incólume à questão climática”, alertou o pesquisador Paulo Artaxo, do Instituto de Física da USP, que foi um dos autores brasileiros do relatório.
O AR6, assinado por 234 autores de 66 países e aprovado por consenso por 195 nações, foi elaborado com base na revisão de 14 mil artigos científicos e representa o estado da arte da ciência do clima, como ressaltou Thelma Krug, pesquisadora do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE) e vice-presidente do IPCC. Thelma e Artaxo participaram, nesta segunda, do lançamento do relatório durante um evento online promovido pela FAPESP.
Intitulado “The Physical Science Basis” (A base da ciência física), o AR6 é marcado por uma diminuição das incertezas, na comparação com os relatórios anteriores, e passa a atribuir alguns eventos climáticos extremos – principalmente os associados à temperatura, como as ondas de calor que assolaram o Hemisfério Norte nos últimos meses – ao aquecimento oriundo da ação humana. Os eventos extremos – chuvas e secas intensas, ciclones, furacões, incêndios florestais, ondas de calor e de frio, entre outros – vão aumentar em frequência e intensidade. A mensagem é clara: cada fração de grau importa. “Estamos 20 anos atrasados nas políticas públicas para reduzir emissões. Temos de seguir os dois de maior redução das emissões, limitar o aquecimento em 1,5oC e agir já. Mas não são os cientistas que fazem políticas públicas”, afirmou Artaxo.
“As informações do relatório são muito fortes. Esperamos que as reações a elas sejam à altura, e que a ciência possa ajudar governos na tomada de decisão bem-informada”, complementou Krug, se referindo às discussões sobre a revisão de metas de reduções das emissões dos países e sobre a implementação do Acordo de Paris, que se dará em novembro em Glasgow, no Reino Unido, durante a Conferência das Partes da ONU para o Clima (COP26).
REFINAMENTO DOS DADOS
Com o refinamento e a sofisticação dos modelos e das projeções, é possível identificar que alcançaremos ou excederemos o aumento da temperatura média de 1,5oC em no máximo 20 anos (na comparação com o período pré-industrial), antes do que era inicialmente previsto. Se não forem adotadas medidas urgentes e drásticas para frear a queima de combustíveis fósseis e as emissões de gases de efeito estufa, alertam os autores, os 2oC serão alcançados já em 2050. Até agora, já sofremos um aumento médio de 1,1oC desde os anos 1800. Se continuarmos com os mesmos padrões de emissões da atualidade, alcançaremos 4,4oC de aumento de temperatura média até o final deste século.
Por não ser um aquecimento homogêneo, as regiões continentais sofrerão mais. Nas projeções regionalizadas, já é possível identificar que o Brasil Central e o leste da Amazônia terão uma redução de 20% nas precipitações médias. “Essas mudanças não têm precedentes há pelo menos dois mil anos. De acordo com alguns cenários, a temperatura poderá ficar de 5 a 5,5oC acima da média”, afirma Artaxo.
ATLAS INTERATIVO DO CLIMA
Uma novidade deste relatório é o Atlas Interativo, que permite não apenas aos representantes de governos tomarem decisões baseadas em projeções e dados científicos regionalizados para ações de adaptação e mitigação, mas também à sociedade em geral melhor compreender as diferentes variáveis e os impactos das mudanças climáticas em diferentes partes da América do Sul e do mundo. Os dados do Atlas são extraídos do Relatório e foram regionalizados em 51 diferentes regiões espalhadas pelo globo, o que permite compreender possíveis impactos locais diante dos diferentes cenários apresentados pelo IPCC. O Atlas mostra, por exemplo, que haverá maior intensidade de chuvas na bacia do rio Uruguai, enquanto o Nordeste brasileiro sofrerá com secas prolongadas, como explicou Lincoln Alves, do INPE. O Atlas pode ser acessado pelo link https://interactive-atlas.ipcc.ch/.
PRÓXIMOS PASSOS
O Relatório lançado ontem foi o primeiro de três que vão compor o trabalho do IPCC e embasar as decisões sobre os próximos passos das negociações climáticas. Ele tratou especificamente das causas do aquecimento global. O segundo, que está sendo elaborado por pesquisadores do Grupo 2 (WG2), será sobre adaptação e vulnerabilidade (as consequências) e deverá ser lançado em janeiro de 2022. O terceiro, por sua vez, produzido pelo Grupo 3 (WG3), é específico sobre mitigação das mudanças climáticas (endereçando possíveis soluções identificadas pela literatura revista) e será lançado em março. A versão em inglês do relatório do IPCC pode ser acessada diretamente no link https://www.ipcc.ch/. O IPCC foi criado em 1988 pela Organização Meteorológica Mundial e pelo Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente. Trata-se de um comitê composto por centenas de cientistas de todo o mundo.
Texto e fotos: Daniela Vianna