Lançamento do Lancet Countdown 2019 no Brasil

No último dia 18, foi realizado o lançamento do relatório do Lancet Countdown Brasil 2019, onde foram apresentadas as recomendações dos cientistas para os problemas das mudanças climáticas no país. O evento aconteceu no Instituto de Estudos Avançados da Universidade de São Paulo (IEA/USP), no campus da capital, e contou com a participação de pesquisadores nacionais e internacionais que contribuíram para as discussões presentes no documento.

O encontro foi iniciado com as falas dos professores Paulo Saldiva, diretor do IEA, e Antonio Mauro Saraiva, coordenador do grupo de Saúde Planetária da USP, seguido pela palestra da professora Sonja Ayeb-Karlsson (University of Sussex, Lancet Countdown), que apresentou, num contexto mais global, os principais pontos do relatório de 2019. Na sua apresentação, foram apresentadas evidências científicas, organizadas através de indicadores em 5 seções:

1) Climate Change Impacts, Exposures and Vulnerability
2) Adaptation, Planning, and Resilience for Health
3) Mitigation Actions and Health Co-Benefits
4) Economics and Finance
5) Public and Political Engagement

Em seguida, o relatório brasileiro foi apresentado pela pesquisadora Mayara Floss, uma das autoras do documento e participante da Organização Mundial dos Médicos de Família (WONCA). Ela indicou seis recomendações urgentes para garantir um futuro mais saudável para as próximas gerações. “Esse evento é uma chamada para ação para a humanidade agir em relação às mudanças climáticas. Estamos no nossa melhor janela de oportunidade; não é para a próxima geração, cuidar do planeta da gente é agora. Afinal, só temos uma casa”, completou Mayara.

As recomendações focaram quatro áreas: vulnerabilidade a doenças transmitidas por mosquitos, carvão, poluição do ar e emissões dos setores da saúde. Para conhecer os detalhes de todas as recomendações, assista: https://www.youtube.com/watch?v=ZRvBnIF7Ak8

A proteção das florestas figurou entre as recomendações, através do compromisso de desmatamento zero até 2030. Para Luís Gustavo Arruda, doutorando em Ensino de Botânica no Instituto de Biociências (IB/USP), com foco em políticas públicas de educação ambiental em ambiente natural, “o compromisso com o combate ao desmatamento ilegal, restauração dos ambientes florestais e redução da queima da biomassa, é uma diretiva de aplicação urgente como ferramenta de prevenção ao aumento da poluição no ar”.

Uma outra recomendação refere-se a importância da própria área da saúde ser sustentável em suas atividades. “Quando se trata de saúde, se o sistema responsável por fornecê-la é um grande emissor de gases de efeito estufa, pode estar contribuindo para prejudicá-la, mesmo com os benefícios que entrega em seus atendimentos”, comenta Beatriz Sinelli Laham, pesquisadora de Educação em Mudanças Climáticas do IB/USP.

Após a apresentação do relatório, foi realizado um debate com as palestrantes, bem como demais autores do documento e com o médico Enrique Barros, participante do Grupo de Estudos em Saúde Planetária do IEA/USP. Esse momento contou com a participação do público presente, com importantes questionamentos e discussões que enfatizaram o lema do evento: Só temos uma casa.

Para a Prof. Dra. Denise Alves, do IPEN, ficou evidenciado no evento que há uma grande mobilização de diversos setores da sociedade na divulgação dos impactos que as mudanças climáticas estão causando no mundo, bem como recomendações de ações mitigadoras. Ela ainda destaca a importância do envolvimento dos jovens: “cabe ressaltar que encontrar formas de engajar os jovens é de suma importância”.

Nelzair Vianna, pesquisadora da Fiocruz, vê a importância desse relatório para pesquisadores: “para os pesquisadores este relatório tem sido uma das principais referências sobre o estado da arte em mudanças climáticas e saúde, estimulando a discussão das diversas áreas de conhecimento envolvidas neste tema e apresentando as lacunas para futuras investigações”.

O público presente também contou com participantes da gestão pública, tanto de órgãos federais quanto municipais. Nancy Stoppe, que é coordenadora de Vigilância Ambiental na Secretaria Municipal de Saúde de São Paulo, comenta sobre a importância do relatório em áreas relacionadas ao seu trabalho na gestão pública: “A recomendação 1 do relatório brasileiro está diretamente relacionada com o projeto de pessoas em situação de acumulação, no controle de animais sinantrópicos. A melhoria da Vigilância e Prevenção, em especial no controle do vetor (mosquito), com certeza incrementa o Programa de combate das arboviroses. Os efeitos oriundos das mudanças climáticas com manutenção da temperatura mais elevada durante o ano de 2019 impactaram os casos de dengue na cidade de São Paulo, onde houve aumento significativo mesmo nos meses de junho a agosto.”

Desdobramentos

Para transformação das recomendações em ações, o envolvimento deverá ser transdisciplinar. Durante o debate, diversos participantes citaram, por exemplo, a importância do envolvimento da Área da Educação no assunto: “O estabelecimento de diretrizes aplicadas, como o fortalecimento da educação sobre a propagação dos vetores de arboviroses ou o compromisso com o desmatamento zero e redução na queima de biomassa, certamente elucidam caminhos para o desenvolvimento de uma sustentabilidade transversal – com ações que podem ser desenvolvidas não somente nas unidades de saúde, mas também em unidades educacionais ou espaços de preservação ambiental”, destaca Luís Gustavo Arruda.

Beatriz Sinelli Laham também comenta sobre o papel da Educação, destacando a importância de todos nós refletirmos sobre o nosso papel: “Os pesquisadores devem se perguntar qual é seu papel nesse cenário todo. A ciência muitas vezes é feita para dentro da universidade ou para atender a interesses privados e não se articula com a realidade da população brasileira. Levando-se em conta o escopo do evento, o papel dos pesquisadores na área de educação é acessar as dificuldades e concepções que os estudantes carregam sobre a temática das mudanças climáticas e elaborar, junto a gestores, um currículo que seja coerente com essa realidade, fornecendo informações de forma compreensível e acessível a todos”.

A implementação dessas recomendações depende da articulação de diversos setores, como ressalta Nelzair Vianna: “Os resultados apontam para uma necessidade de articulação intersetorial, visto que as medidas de mitigação para proteção à saúde muitas vezes estão fora do setor saúde, como por exemplo a mitigação das fontes de poluição do ar urbana, que devem ser articuladas em agendas convergentes de mobilidade e saúde”.

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