Educação Ambiental e pela Saúde Planetária

Educação para Saúde Planetária e Educação Ambiental: aproximação conceitual ou afirmação de práticas?

por Luís Gustavo Arruda, em colaboração com Isabela Barbosa

 

A publicação do ambiente de trabalho de uma educação pela saúde planetária lança nova luz sobre o papel duplo da ação educativa: tanto pela preservação do meio ambiente como na promoção da saúde das pessoas. Essa articulação entre os diferentes saberes avança na compreensão das interações sociais e ecológicas debatidas na literatura científica. À vista disso, as orientações apontadas reverberam temas sob ampla discussão entre profissionais da educação, da antropologia e sociologia e, mais recentemente, da área da saúde.

 

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As origens dos comportamentos

Buscando responder qual é o papel da educação na sociedade, são importantes as contribuições do sociólogo Émile Durkheim na descrição dos fatos sociais. Para o autor, o ensino, junto ao casamento ou ao nacionalismo, são exemplos de representações e processos que alicerçam valores e comportamentos nas sociedades ocidentais modernas. Nesse sentido, precede a reflexão de Maurício Tragtenberg sobre a escolarização como processo de inculcação das regras escolares. Ou seja, para ambos autores, a institucionalização dos processos educativos em escala nacional seria responsável pela consolidação de práticas e discursos que moldam os comportamentos esperados para as pessoas num dado território.

Em específico, sobre a origem dos comportamentos, remonta-se às discussões da psicologia, como no behaviorismo radical de Burrhus F. Skinner. A partir das reflexões sobre aprendizagem de comportamentos no condicionamento operante, o autor destaca as contingências às quais o indivíduo é exposto historicamente para a compreensão de suas ações. Para esse psicólogo, cada pessoa interage constantemente com seu meio ambiente percebido, discriminando estímulos que possam apresentar reforçadores positivos ou negativos, determinando então a consolidação ou extinção de seus comportamentos.

Mesmo com essas reflexões sobre os comportamentos, em âmbito social ou individual, um olhar para a aprendizagem e para a escolarização envolve outros elementos, como nas abordagens de Jean Piaget e Lev Vygotsky em direção ao ensino socioconstrutivista. Nessa ótica ampliada sobre educação, entretanto, é possível que o debate caminhe mais para a filosofia das ciências e o desenrolar científico do que para o desenvolvimento de comportamentos para a ação pelo meio ambiente. 

Educação em temas ambientais

Com a compreensão sobre as mudanças ambientais que vivenciamos, a Conferência Intergovernamental sobre Educação Ambiental, realizada em Tbilisi no ano de 1977, reconheceu não somente os impactos da ação humana na degradação dos sistemas naturais, mas também a responsabilidade para a consolidação de novos comportamentos que possam reverter a tendência observada. A Declaração de Tbilisi, promulgada ao final da conferência, é ainda hoje um importante referencial para o estabelecimento de políticas, programas e ações diante da educação em temas ambientais (de Gusmão Pedrini, 2019; Oliveira & Santos, 2019). O ensino de tópicos sobre o meio ambiente é foco de uma diversidade de correntes de pensamento, refletindo numa diversidade de conceitos relacionados.

Da Educação para o Desenvolvimento Sustentável à Educação Patrimonial (EP), entre outras, cada uma das abordagens reflete não somente a epistemologia das concepções sobre meio ambiente, mas também sua reciprocidade diante da formação dos comportamentos humanos esperados em seus espaços. Diante dessa interação entre conceitos e práticas, são elucidativos os apontamentos de Lúcie Sauvé quanto às vertentes da Educação Ambiental (EA).

Para a autora, as diversas correntes da Educação Ambiental aproximam-se do ensino sobre ciências, como descrito na publicação Educación Científica y Educación Ambiental: un cruce fecundo (2010), e derivam das concepções de meio ambiente relacionadas aos objetivos de seus processos e estratégias empregadas. Como exemplo, a corrente Resolutiva, pautada em problemáticas ambientais, objetiva o desenvolvimento de habilidades para identificação de elementos e ações pertinentes para lidar com o diagnosticado; sob outra perspectiva, a corrente Sistêmica, que compreende a natureza como um sistema global de relações, objetiva a compreensão das ações viáveis em cada escala de seus subsistemas.

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Uma aproximação mais do que prática

Ainda na EA, destaca-se também a corrente Crítica, que conceitua o meio ambiente como lugar de emancipação e objetiva a ação pela transformação das raízes das problemáticas socioambientais percebidas. Considerando, então, a dimensão política nos processos de ensino e aprendizagem, num olhar para a matriz filosófica pela emancipação humana, a EA volta a aproximar-se da EP – que também apresenta sua vertente crítica. Nesse sentido, a orientação política dos processos educativos é transversal a ambos conceitos: tanto a Educação Ambiental como a Educação Patrimonial, em suas vertentes críticas, incorporam o reconhecimento dos processos históricos que determinam as relações sociais contemporâneas que orientam os comportamentos diante do meio ambiente natural e cultural.

Voltando-se para as implicações práticas dessas reflexões, não se trata de inventar uma nova corrente de educação, mas de refletir quanto às inovações a partir das condições existentes. Nesse sentido, verifica-se na literatura especializada a emergência da Educação Ambiental como possibilidade para a consolidação dos processos de ensino e aprendizagem transversais (Zanatta, Royer e Costa, 2016). Como exemplo o Ensino de Ciências já apresenta em seu currículo alguns elementos da educação em saúde, como na aprendizagem conceitual dos ciclos de vida de zoonoses de relevância clínica ou do ciclo da água em ambiente urbano, ainda que professores relatam dificuldades na inserção dessas  abordagens no ensino de temáticas ambientais (Filho e Farias, 2015). 

Com isso, o ambiente de trabalho de educação para saúde planetária ilustra a interdependência entre ações humanas e seus efeitos recíprocos no, e a partir do, meio ambiente. Articulando, então, os domínios Antropoceno e saúde, Construção de movimentos e mudança sistêmica, Pensamento sistêmico e complexidade, Equidade e justiça social e Interconexão com a natureza, apresenta-se como abordagem transversal para fomentar “(…) comunidades locais e globais no trabalho em direção ao bem estar, à justiça e a um ambiente de triunfo para todos.” (tradução livre; Guzmán et al., 2021).

Portanto, considera-se a inovação dessas orientações na articulação entre diferentes disciplinas para a ação ambiental. Dos fatos sociais às regras escolares, existe certa conformidade de que uma aprendizagem crítica deve estar focada no ensino para a ação emancipatória, em detrimento das perspectivas politicamente subservientes e socialmente complacentes com as causas da crise socioambiental em curso. Destarte os conceitos e correntes estabelecidos na literatura acadêmica, são convergentes as perspectivas de ensino focadas na aprendizagem dos comportamentos para práticas ambientais estratégicas, historicamente contextualizadas no meio ambiente local e global, e orientadas para a construção de um mundo em que caibam todos os mundos

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Referências:

Farias Filho, E. N., & Farias, C. R. de O. (2015). Discussões entre professores sobre a natureza disciplinar ou interdisciplinar da educação ambiental. Pesquisa Em Educação Ambiental, 10(2), 9–22.

de Gusmão Pedrini, A. (2019). Environmental Education Policies Applied to Marine and Coastal Environments in Brazil: Gaps and Challenges. 19–37. https://doi.org/10.1007/978-3-030-05138-9_2

Guzmán, C. A. F., Aguirre, A. A., Astle, B., Barros, E., Bayles, B., Chimbari, M., El-Abbadi, N., Evert, J., Hackett, F., Howard, C., Jennings, J., Krzyzek, A., LeClair, J., Maric, F., Martin, O., Osano, O., Patz, J., Potter, T., Redvers, N., … Zylstra, M. (2021). A framework to guide planetary health education. The Lancet Planetary Health, 5(5), e253–e255. https://doi.org/10.1016/S2542-5196(21)00110-8

Oliveira, R. R. D., & Santos, M. H. L. C. (2019). Educação Ambiental na Perspectiva das Políticas Públicas. Revista Eletrônica Do Mestrado Em Educação Ambiental, 36(1), 109–128.

Sauvé, L. (2010). Educación Científica y Educación Ambiental: un cruce fecundo. Enseñanza de Las Ciencias, 28(1), 5–18.

Zanatta, S. C., Royer, M. R., & Costa, E. P. da S. (2016). A Necessidade da Transdiciplinaridade para Promover a Educação Ambiental. Rev. Eletrônica Mestr. Educ. Ambient., 33(2), 142–157.