Autores de Policy Brief do Lancet Countdown participaram de debate, realizado na Fiocruz, onde apresentaram proposições de políticas públicas para a Saúde no país.
Por Daniela Vianna*
Na última semana, pesquisadores do Saúde Planetária Brasil participaram do evento híbrido de lançamento do Policy Brief “Recomendações para Políticas de Saúde no Brasil”, com proposições elaboradas a partir de indicadores de correlação entre emergência climática e saúde divulgados no relatório 2022 do The Lancet Countdown on Health and Climate Change. No encontro, realizado na sede da Fiocruz, no Rio de Janeiro, no último dia 29 de abril, ficou explícito que a crise climática já tem afetado, e muito, a saúde dos brasileiros, e que são necessários investimentos urgentes na elaboração de políticas públicas capazes de proteger a saúde das populações – sobretudo as mais vulnerabilizadas – diante dos riscos associados ao aquecimento da temperatura média do planeta.
“A mudança climática, uma das maiores ameaças à saúde no século 21, causa danos à saúde em todo o mundo através de inundações mais extremas, secas, incêndios florestais e a criação de áreas mais propícias para doenças infecciosas”, como aponta a introdução do Policy Brief, escrito em autoria colaborativa pelos pesquisadores do SPBr Enrique Barros, Tatiana de Camargo, Raquel Santiago e Airton Stein. O documento contou ainda com a revisão das pesquisadoras Sandra Hacon e Nelzair Vianna, ambas da Fiocruz, do prof. Antonio Mauro Saraiva, coordenador do Saúde Planetária Brasil, e da médica de família e comunidade Maria Inês Padula Anderson, da UFRJ.
Na abertura do evento, o presidente da Fiocruz, Mario Moreira, destacou a necessidade do fortalecimento do sistema de saúde, principalmente na atenção primária, diante dos impactos das mudanças climáticas, que trazem consequências às populações mais vulnerabilizadas. Ele citou que o Brasil tem alta exposição a desastres climáticos, tanto por sua extensão, quanto pela variabilidade de ecossistemas. Destacou também a necessidade do estabelecimento urgente de planos de médio e longo prazos para a redução nas emissões de carbono. No caso brasileiro, isso passa, necessariamente, pelo combate ao desmatamento e às queimadas e pelo controle das mudanças de uso do solo e florestas, que consistem nas principais fontes de emissões do país, de acordo com o SEEG (Sistema de Estimativas de Emissões de Gases de Efeito Estufa).
Hermano Castro, vice-presidente de Ambiente, Atenção e Promoção da Saúde da Fiocruz, destacou que o novo governo está trabalhando nesta direção, de reconstrução de políticas públicas e de combate às queimadas, que, além de contribuir com as emissões, também geram problemas de saúde devido à poluição atmosférica, atingindo em cheio as populações expostas. Entre as metas da atual gestão, segundo ele, estão a redução das emissões, o reflorestamento, o combate ao desmatamento ilegal, a mitigação das mudanças climáticas e o fortalecimento do sistema de saúde.
Daniel Buss, chefe da unidade de Mudanças Climáticas e Determinantes Ambientais da Saúde da OPAS (Organização Pan-Americana da Saúde), destacou a importância dos indicadores do Lancet Countdown, que apontam as correlações entre crise climática e saúde, traçando panoramas sobre os impactos e, a partir da análise dos dados, apontando respostas concretas para mitigá-los, o que instrumentaliza tomadores de decisão na elaboração de políticas públicas concretas.
Buss também reiterou a importância de endereçar a problemática na busca pela proteção das populações vulnerabilizadas, que são as que menos contribuem para a mudança do clima, porém, são as que mais sofrem, de forma desproporcional, seus impactos. “As mudanças climáticas exacerbam os problemas já existentes. As mais afetadas pela crise já são as mais afetadas por outros fatores, pelas deficiências da perversidade do sistema. As mais vulneráveis são mais afetadas, desproporcionalmente. Existe um componente ético a ser tratado”, afirmou, lembrando que as mudanças climáticas vão provocar migrações em massa devido às secas, por exemplo. “Devemos aprender com experiências bem-sucedidas”, pontuou.
Antonio Saraiva, professor titular da POLI-USP e coordenador do Saúde Planetária Brasil, reiterou que estamos acelerando rumo a um aumento da temperatura média do planeta de 2,4 graus Celsius, sendo que a ciência climática aponta que a elevação em 1,5 grau Celsius já trará impactos severos ao planeta, aos ecossistemas e às pessoas. Desde a Revolução Industrial, as atividades humanas já contribuíram, em boa parte, para a elevação da temperatura média do planeta em 1,1 grau Celsius, de acordo com o Painel Intergovernamental de Mudança sobre Mudanças Climáticas.
Saraiva reforçou que a Saúde Planetária é um “campo de pluralidade”, sediado na USP, mas envolvendo pesquisadores de diferentes áreas de atuação e diversas regiões do país. “Se somos parte do problema, precisamos ser parte da solução”, disse ele, destacando a importância de incorporação dos saberes ancestrais à ciência ocidental.
Recomendações para as políticas de saúde
Coube aos pesquisadores Enrique Barros, Tatiana Camargo e Raquel Santiago apresentarem os resultados e as recomendações do Policy Brief elaborado para o Brasil. A versão em português está disponível aqui.
Enrique Barros (Feevale e SPBr) resgatou o histórico do projeto Lancet Countdown, liderado pela revista The Lancet, cujo primeiro relatório foi lançado em 2015, com a proposição de que agir diante das mudanças climáticas pode ser a maior oportunidade do século 21 para a saúde global. Ressaltou também o chamado do relatório global de 2022, que ressalta como prementes a adaptação à saúde e a confiança na ciência e destaca que, agora que sabemos, devemos agir (Now That We Know, We Must Act). Indicou também o lançamento do primeiro relatório regional do Lancet Countdown para a América do Sul, região severamente afetada pelas crescentes mudanças ambientais.
A pesquisadora Tatiana Camargo (UFRGS e SPBr) destacou o objetivo principal do Policy Brief, que é a proposição de medidas práticas para melhorar a política climática e ações para proteger e promover a saúde humana. Ela explicou, ainda, que o método para a produção das recomendações foi baseado na extração de dados do relatório global, combinados com outras fontes de dados disponíveis sobre o país. Os coautores escolheram e analisaram os indicadores de maior relevância para o país, no período de 2022, usando-os para a construção das recomendações locais.
Apresentou, ainda, a primeira recomendação, que consiste em “Atribuir recursos humanos e financeiros para tratar da adaptação de saúde às mudanças climáticas”. Tatiana apontou que, embora o Brasil possua políticas de saúde e climáticas, as mesmas não foram adequadamente financiadas ou implementadas. A recomendação é de que os planos sejam reativados, recebam recursos para as respectivas implementações no sentido de proteção à saúde e ao bem-estar. Por fim, os autores recomendam também a identificação dos fluxos de financiamento para a adaptação do setor de Saúde no âmbito do Plano Nacional de Mudanças Climáticas.
A professora Raquel Santiago (Universidade Federal de Goiás e SPBr) trouxe outras duas recomendações apontadas pelo Policy Brief. A primeira consiste em envolver o Ministério da Saúde no desenvolvimento das Contribuições Nacionalmente Determinadas (NDCs – na sigla em inglês). As NDCs referem-se aos compromissos assumidos pelo governo brasileiro no âmbito do Acordo de Paris e da UNFCCC (Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre a Mudança do Clima). A pesquisadora apontou que existem apenas três menções à saúde na atual NDC brasileira, e que a saúde é mencionada como um campo de preocupação separado das mudanças climáticas. As recomendações vão no sentido da ampliação do foco na saúde pública na NDC brasileira, bem como na inclusão do Ministério da Saúde no Comitê Interministerial sobre Mudanças Climáticas e Crescimento Verde.
A terceira e última recomendação, que envolve o aumento dos espaços verdes urbanos planejados, está embasada em pesquisas que apontam que, até 2050, mais de 87% da população latino-americana viverá em cidades. “É preciso ampliar as áreas verdes urbanas”, afirmou a profa. Raquel. A proposição dos pesquisadores, apresentada por ela, envolvem reduzir os efeitos das ilhas de calor urbanas; proporcionar maior sombra e conforto aos habitantes; aumentar a quantidade, qualidade e acessibilidade de espaços verdes urbanos; priorizar áreas desfavorecidas e vulnerabilizadas; e considerar as características regionais das cidades e os biomas nas quais estão inseridas. Para isso, os pesquisadores recomendam a recomposição do Fundo de Mudanças Climáticas – Programa Verde Nacional.
“Estamos no caminho certo”
Na sequência, Emily Conceição, coordenadora-geral de Vigilância em Saúde Ambiental do Ministério da Saúde, deu um depoimento emocionado, ressaltando o momento histórico de reconstrução do país. Ela, enquanto pesquisadora, mulher preta, quilombola, disse estar emocionada por falar institucionalmente no espaço da Fiocruz. “Esse governo coloca as mudanças climáticas como questão central, junto com o combate à fome, principalmente para comunidades vulneráveis”, afirmou. “Eu sei o que significa ser uma mulher vulnerabilizada. Não falo só por mim, mas por gerações”, disse, emocionada.
Emily disse que o Policy Brief representa a “reafirmação do que estamos fazendo, e a comprovação de que estamos no caminho certo. Traz a importância da ciência com dados, estamos trilhando um caminho de reconstrução. Venho trazer a reafirmação do compromisso do Ministério da Saúde”. Ela frisou que Comissões e Comitês Interministeriais estão sendo reativados. “Estamos fazendo ciência aliada às necessidades reais da população e dos territórios. Existem ainda milhões de pessoas que nem nasceram e que precisam de nossa ajuda”, assegurou. Por fim, afirmou: “temos violência no campo acontecendo hoje, e temos de agir hoje. Esse é o compromisso institucional com o povo que nos trouxe aqui”.
América do Sul: impactos climáticos à saúde
Stella Hartinger, diretora do Lancet Countdown Regional Center na América do Sul, apresentou uma série de indicadores que correlacionam as mudanças climáticas com impactos na saúde pública e que foram trabalhados no primeiro relatório regional do Lancet Countdown elaborado para a América do Sul, lançado no início de abril. O relatório intitulado Alguns desses impactos envolvem os efeitos de ondas de calor, de aumento da transmissão de doenças transmitidas pelo mosquito da dengue, por exemplo, de eventos extremos nas cidades, como chuvas e inundações, e da insegurança alimentar.
Foram trabalhados, ao todo, 25 indicadores para a região. Stela ressaltou, ainda, a importância da elaboração de planos de adaptação à crise climática para proteger a saúde da população. Por fim, reiterou a importância de compromissos públicos e políticos, por parte de diferentes atores sociais – mídia, governos, academia e setores empresariais – para melhorias da saúde frente aos desafios climáticos.
Ela mostrou um infográfico (ver figura abaixo) que coloca os impactos das mudanças climáticas no centro do contexto político e econômico, com interfaces relevantes com a adaptação em saúde e com os benefícios em saúde das políticas de mitigação climática.
Alguns indicadores apontam o aumento da exposição das populações vulnerabilizadas às ondas de calor. Análises realizadas a partir de 1986 indicam crescente exposição, que afetam, principalmente, crianças com menos de um ano de idade e idosos com mais de 65 anos. As crianças com até 12 meses de vida tiveram 2,35 milhões de dias-pessoa de maior exposição. Adultos maiores de 65 anos se viram afetados por 12,3 milhões a mais de dias-pessoa de exposição (indicador 1.1.1).
Já o indicador 1.3 – referente aos impactos climáticos na transmissão de doenças infecciosas – apontou que a aptidão climática aumentou 35,3% em todos os países onde existe o mosquito transmissor da dengue. O maior incremento aconteceu em países amazônicos, como Venezuela, Colômbia, Equador, Peru, Bolívia e Brasil. O relatório completo está disponível neste link.
Participaram dos debates, ainda, Nelson Gouveia, da Faculdade de Medicina da USP, Augusto Galvão, assessor do Centro de Relações Internacionais em Saúde da Fiocruz, e Nelzair Vianna, pesquisadora da Fiocruz e membro do SPBr, além de Guilherme Franco Netto, Coordenador de Ambiente da Vice-Presidência de Ambiente, Proteção e Promoção à Saúde da Fiocruz, e Juliana Wotzasek Villardi, assessora da mesma vice-presidência.
(*) Daniela Vianna é jornalista, doutora em Ciências Ambientais (PROCAM/USP), pós-doutoranda do Instituto de Estudos Avançados da USP e bolsista do USPSusten. Colaborou a bolsista PUB Açucena Miranda Branco.
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